A Doença Renal Crônica (DRC) é a perda progressiva e irreversível da função de filtração e excreção dos rins. São várias as causas para que isso aconteça, desde afecções genéticas (ex: rins policísticos, síndrome de Alport, Glomeruloesclerose, Nefropatia por IgA) ou condições clínicas de saúde (ex: diabetes não controlado, hipertensão arterial sistêmica, Lupus Eritematoso Sistêmico, infecções urinárias de repetição, etc).
Para retardar a progressão da doença, contribuir para melhor normalidade do meio interno do paciente e retardar a entrada em diálise, o nutricionista é profissional fundamental. Ele irá orientar a dieta e ingestão correta de nutrientes evitando acúmulo no sangue de metabólitos que vão intensificar sintomas da acidose metabólica, uremia, hiperpotassemia ou hiperfosfatemia.
Elegendo um desses pontos para maior detalhamento, vamos falar um pouco do fósforo (P). O P é um dos seis elementos mais abundantes no corpo, além de ser essencial para muitos processos biológicos como: divisão celular, integridade da membrana celular, participação em diversas vias de sinalização intracelular a partir da fosforilação e desfosforilação de enzimas, na formação dos ácidos nucleicos que são constituintes do DNA e RNA, importante para a mineralização óssea, geração de ATP e, portanto, essencial para metabolismo energético e muscular e até mesmo equilíbrio ácido base.
A maioria das dietas é rica em P, presente naturalmente em alimentos proteicos ou na forma de conservantes em alimentos industrializados. Portanto, a quantidade de P ingerido quase sempre excede o necessário ficando em torno 1400 e 2000 mg ao dia.
Para manter a quantidade de P no sangue dentro de uma faixa ideal, que varia de acordo com a idade, a Homeostase do P envolve vários órgãos e hormônios. O intestino absorve cerca de 60% do P da dieta, este P cai na corrente sanguínea e é recuperado por diversos tecidos, sendo o osso o um dos principais juntamente com os rins que filtram o sangue e excretam pela urina de 3 a 25% do P ingerido.
O acúmulo do P no sangue promove redução do cálcio sérico por mecanismos físico-químicos que por si só estimula a liberação de paratormônio, que acaba por comprometer a integridade do tecido ósseo com aumento da reabsorção óssea e calcificação ectópica, como de vasos sanguíneos que acarretam doenças cardiovasculares, que aumentam a morbidade e mortalidade dos pacientes.
Este eixo de controle do P foi por muito tempo considerado único e o principal para sua homeostase. Porém mais recentemente com as pesquisas de algumas fosfatoninas foi identificado o FGF-23 que é produzido e liberado pelas células ósseas quando há sobrecarga de P muito antes que mudanças no P sérico sejam detectadas.
O FGF-23 age diretamente nos túbulos renais através de seus receptores e outra proteína chamada klotho que juntos promovem maior excreção de P. Além disso, o FGF-23 reduz a produção de calcitriol por inibir a enzima 1-alfa hidroxilase presente principalmente no rim e o calcitriol, que é fundamental para absorção de Ca no intestino, vai acabar por intensificar a hipocalcemia e o estímulo na glândula paratireóide. Estes componentes juntos vão levar às doenças minerais e ósseas da DRC.
Somado a estes sistemas de controle do P está o intestino, que é a porta de entrada para o P. A dieta hipoproteica, aliada ao controle da ingestão de alimentos processados e ultraprocessados, que contém como aditivos químicos substâncias à base de fosfato e uso de quelantes, quando necessário, são as estratégias de controle.
O paciente que ainda urina um volume que já era normal para ele não tem a dimensão direta das complicações que podem ocorrer pela alimentação inadequada. O trabalho de educação nutricional constante no consultório, com evolução paulatina e constante para melhora da saúde geral é de fundamental importância, garantindo melhor estabilidade clínica e uma possibilidade de transplante sem passagem pela diálise, em que as taxas de rejeição do enxerto são menores.
A DRC é complexa e causa certa temeridade no manejo, mas é como qualquer outra mudança de hábitos alimentares. Cada patologia renal requer um foco inicial de tratamento e conhecendo-se a fisiologia do órgão, os eixos de controle envolvidos e os agravantes, é possível criar um programa para o tratamento efetivo e controle satisfatório da progressão da doença.
Tatiana Martins Aniteli
CRN-3: 22.758
Doutora em Nefrologia pela FMUSP
Nutricionista clínica e esportiva
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