Com a sociedade cada vez mais consciente do direito que as pessoas têm ao respeito e a serem consideradas iguais, muitos termos têm sido criados para caracterizar situações que envolvem o preconceito e o destrato com um indivíduo que apresenta uma característica que é considerada “fora do padrão”. Um desses termos, a gordofobia, tem ganhado bastante destaque nas redes sociais e também no convívio de muita gente que já observou esse tipo de ação discriminatória.
Não são situações isoladas. Todos os dias, pessoas gordas e obesas enfrentam desafios em sua rotina: transporte público, escritórios, banheiros, restaurantes, escolas e outros ambientes não estão preparados para acomodá-las devidamente. E isso vai além: em muitos casos são alvos de comentários sobre seu peso, piadas e julgamento. O nome disso é gordofobia.
E a gordofobia não apenas dá as caras nas redes sociais, mas nem sempre é feita somente por desconhecidos. Em muitos casos, até os próprios familiares ou conhecidos contribuem para essa prática, obrigando seus filhos a fazerem dietas, ou quando reproduzem frases do tipo “você é muito bonita de rosto, mas deveria emagrecer”. Como veremos a seguir, magreza não é sinônimo de beleza nem de saúde.
O termo gordofobia: o que significa
O termo gordofobia, como o próprio nome já indica, caracteriza uma situação de discriminação com um indivíduo que se apresenta acima do peso. É comum perceber, no nosso convívio social, várias pessoas usando o termo “gordo” com o sentido pejorativo, na intenção de criticar ou insultar alguém que apresenta um corpo que esteja fora do padrão magro de beleza. Esse tipo de atitude, por mais ingênua que possa querer parecer, é classificada como um ato de gordofobia – e cada vez mais pessoas tem sentido os efeitos dessa discriminação.
Não é à toa que o periódico científico Nature Medicine publicou um consenso internacional pelo fim do estigma ligado ao excesso de peso. Esse documento foi assinando por mais 100 instituições importantes, incluindo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). A conclusão dessa extensa revisão de estudos é que o preconceito compromete a saúde de pessoas acima do peso e dificulta o acesso a medicamentos e tratamentos. A gordofobia inclusive contribui para os altos índices de obesidade no planeta.
E os dados apontam que essa é uma prática é recorrente. Entre adultos obesos, de 19 a 42% sofrem com a discriminação. As taxas são ainda mais altas entre as s mulheres e aqueles com maior índice de massa corporal (IMC). Ou seja, esse é um problema real que afeta pessoas no mundo todo.
Gordofobia e saúde
Por muito tempo se acreditou que a obesidade era, na verdade, um problema relacionado somente com o excesso de ingestão de calorias na dieta diária de um indivíduo. Na verdade, a obesidade se relaciona sim com o excesso do consumo de calorias, mas ela também apresenta um quadro metabólico e inflamatório de dificílimo controle clínico, sendo classificada, por esse motivo, como uma doença.
Justamente muito do preconceito vem do mito de que a obesidade é controlável, em outras palavras, representa negligência. Só que o excesso de peso não é necessariamente um resultado de comer demais. Diversos outros fatores já atestados pela ciência podem contribuir, incluindo problemas de sono, condições socioeconômicas, genética, medicamentos, desequilíbrio hormonal, problemas de saúde mental e até mesmo a poluição do ar. Resumindo, afirmar que uma pessoa é obesa porque ela come demais e não se exercita muito é fazer uma generalização ignorante.
Pacientes com obesidade sofrem com o diagnóstico da doença e enfrentam uma grande batalha para poder vencer esse perfil metabólico e, por esse motivo, merecem ser respeitados e auxiliados sempre, sobretudo pelos profissionais da área da saúde.
Discriminar alguém por seu quadro de obesidade ou sobrepeso pode ser comparado, atualmente, com o ato discriminatório realizado com alguém que apresenta deficiências físicas, depressão, diabetes, câncer ou qualquer outra doença que não tem como causa principal a vontade do indivíduo em não se curar.
Pessoas que são vítimas de gordofobia podem sofrer consequências graves no que se refere à saúde mental, como depressão, baixa autoestima, ansiedade e tentativas de suicídio.
Para o Coletivo Gordas Livres, a gordofobia é o “sentimento de medo, não só do indivíduo gordo, mas da gordura, o medo irracional de se tornar gordo, isso é lipofobia. A gordofobia é o nojo, o asco, o sentimento de raiva e necessidade de afastamento do indivíduo gordo, da gordura e de tudo que a cerca”.
A relação entre peso e estética
Vale a pena reforçar também que, independentemente de a obesidade ser classificada como uma doença, alguns quadros de sobrepeso nem sempre podem ser apontados como falta de saúde em um indivíduo. A medicina já mostrou que é possível encontrar pacientes que estão acima do peso estipulado como ideal, mas que apresentam funcionamento metabólico de seus sistemas corporais perfeitos e muito similares a de indivíduos que tem peso “normal”. Por esse motivo, discriminar um indivíduo por ser “gordo” alegando que ele não é saudável, é mais uma falha grave do ato de “gordofobia”.
Aliás, essa associação entre magreza, saúde e beleza de natural não tem nada. Esse tipo de pensamento ganhou força total nas décadas de 90 e início dos anos 2000, quando a ideia de ser magra foi vendida como um grande objetivo das mulheres. Mas nem sempre foi assim: em outros períodos históricos, corpos mais robustos eram o ideal estético. Afinal de contas, o conceito de beleza se transforma através dos séculos.
Vale lembrar: beleza é subjetivo e não se deve desejar a perda de peso para ficar “bonito” e sim para ser mais saudável. Não se deve ficar escravo da balança ou do espelho, mas sim focar numa alimentação que ajude a preservar a saúde à longo prazo e prevenir doenças.
Combatendo a gordofobia
O combate a gordofobia tem ganhado cada vez mais força em vários cantos do mundo. Além de várias campanhas em redes sociais, iniciadas por órgãos de saúde, influenciadores e até mesmo indivíduos anônimos, muitas marcas têm começado a mudar o seu conceito de saudável para não colaborar com o ato discriminatório.
Hoje vemos modelos plus size fazendo campanhas de roupas, cosméticos, lingeries e participando de desfiles de moda – e sendo reconhecidas e bem pagas por isso. Nas redes sociais, cada vez vemos mais influenciadores digitais fazem sucesso ao descontruir ideais de beleza, com corpos reais e uma busca por estilo de vida mais saudáveis, o que vai muito além de um corpo magro.
Esse, entretanto, é apenas um primeiro passo para enfrentarmos esse grande problema que ainda é a gordofobia.
Combater a gordofobia é muito mais do que mostrar para o mundo que o indivíduo obeso merece ser tratado como uma pessoa qualquer, mas sim ajudá-los a viver bem com seu corpo sem sofrer qualquer tipo de discriminação. Afinal, o importante é cuidar da saúde física e mental.
Gordofobia é crime?
Como você viu, o comportamento gordofóbico pode causar diversos danos psicológicos para as vítimas. Mas, ainda assim, não existe uma pena mais severa para esses casos. Veja o que diz a leite:
- A gordofobia é um preconceito, mas que não está de forma expressa na lei, então, se enquadraria em injúria, por exemplo.
- Atualmente, não é considerado um crime de intolerância. Geralmente esse tipo de crime está mais ligado à etnia, raça e religião. Mas, conforme interpretação da leite, pode ser enquadrado em crime de ódio, assim como como crime injurioso.
Nutrição, peso e reeducação alimentar
O fenômeno da obesidade tem sido alçado a um problema de saúde pública e ocupado um lugar central no debate sanitário, político, social e cultural.
Como aponta a nota emitida pelo Conselho Federal de Nutrição, as comunidades acadêmico-científicas e profissionais da área de nutrição e saúde necessitam ampliar a escuta de o que estes movimentos têm a dizer, o que reivindicam e quais são seus anseios, particularmente no que se refere à saúde. “A escuta é uma premissa fundamental do cuidado à saúde no entendimento de que somente aqueles que experimentam a condição de ser gordo/obeso sabem e sentem no seu cotidiano como isso os afeta e o que isso de fato representa.”
Histórias de reincidentes lutas fracassadas ou com sucessos episódicos contra o seu peso corporal, que se transformam, por vezes, em uma luta contra si mesmo; e frente a tais questões, faz-se urgente a revisita das práticas profissionais em torno do cuidado à pessoa com obesidade, na busca de outras possibilidades de atuação que reconheçam verdadeiramente a complexidade do fenômeno e sua multidimensionalidade, não restringindo ao sujeito a responsabilidade da sua condição corporal.
Veja algumas orientações de conduta do profissional de Nutrição, sob esse viés:
- Os diagnósticos não devem ser centrados somente no peso corporal, pois não são suficientes para lidar com a complexidade da obesidade.
- É importante situar as pessoas que vivem a obesidade no centro da atenção à saúde, reposicionando-as como protagonistas deste processo de cuidado.
- Respeitar as pessoas gordas e a luta contra a sua estigmatização não representa “defender” a obesidade. Não se trata de questões que se opõem, elas se somam, uma vez que não há saúde sem reconhecer a humanidade no outro e contrapor todas as formas de preconceito nesta relação.
- As três pandemias mundiais – obesidade, desnutrição e mudanças climáticas– interagem umas com as outras, compartilham determinantes e, portanto, exercem influência mútua em sua carga para a sociedade.
- Há necessidade de uma narrativa mais coerente, que assuma a complexidade e a multifatorialidade da obesidade.
Você já tinha ouvido falar em gordofobia antes? Leve essa informação à diante!
Matéria sensacional! Parabéns Dietbox!
Hora de revisar esse texto pois ele está cheio de expressões gordofóbicas