A estimativa da necessidade energética é um dos pilares da prática nutricional e representa o ponto de partida para a formulação de condutas dietéticas individualizadas. Compreender o total de energia requerido por um indivíduo, considerando o gasto energético basal, o efeito térmico dos alimentos, o nível de atividade física e eventuais condições clínicas, é essencial para assegurar a adequação do plano alimentar às demandas fisiológicas e objetivos terapêuticos. E uma das maneiras é por meio da Tabela Harris-Benedict.
Em termos práticos, a necessidade energética corresponde à quantidade de energia, expressa em calorias, que deve ser ingerida diariamente para manter as funções vitais do organismo e sustentar as atividades realizadas ao longo do dia. A determinação desse cálculo é fundamental para a elaboração de um plano alimentar individualizado e conforme as necessidades do paciente, independente de qual seja o seu objetivo e estado nutricional.
Para definir a necessidade energética de forma adequada, é preciso estimar o Gasto Energético Total (GET) do indivíduo. Esse valor corresponde à soma de toda a energia utilizada pelo organismo ao longo do dia, englobando desde as funções vitais em repouso até o gasto gerado pelas atividades físicas e pelo processo de digestão dos alimentos.
O GET é uma soma de vários componentes, sendo influenciado pelos fatores:
- Gasto Energético de Repouso (GER): É a quantidade de energia necessária para manter funções fisiológicas básicas do organismo, como respiração, circulação e metabolismo, representando a maior parte do gasto energético total. Possui íntima relação com o tecido muscular, ou seja, indivíduos com mais massa muscular possuem um GER mais elevado.
O GER pode ser bastante confundido com a Taxa Metabólica Basal (TMB), no entanto, a TMB representa o gasto energético em condições controladas de repouso físico e mental, em temperatura de aproximadamente 20ºC e jejum de 12 horas.
- Efeito térmico dos alimentos: É a energia que o corpo utiliza para digerir, absorver e metabolizar os nutrientes provenientes dos alimentos ingeridos.
- Termorregulação: É a energia que o corpo gasta para manter a temperatura estável.
- Atividade física: Corresponde a demanda energética para a realização de atividades físicas. É estratificada em níveis conforme sua intensidade.
- Fator injúria: também conhecido como fator trauma, é o acréscimo energético que o corpo exige para manter suas atividades em condições de estresse metabólico devido a condições fisiopatológicas.
Existem diferentes métodos para determinar o gasto energético de um indivíduo. Técnicas como a calorimetria direta, calorimetria indireta e água duplamente marcada, são consideradas “padrão-ouro” uma vez que apresentam resultados de alta precisão.
No entanto, são ferramentas de alto custo e de difícil acessibilidade, impossibilitando a utilização na prática clínica diária. Por isso, as equações preditivas de gasto energético são mais comumente utilizadas, uma vez que são de fácil aplicabilidade, rápidas e de baixo custo.
Dentre as diversas fórmulas disponíveis, uma das mais conhecidas e utilizadas é a equação de Harris-Benedict, um método que por muito tempo foi a base para o cálculo das necessidades energéticas.
Equação de cálculo de Harris-Benedict: o que é?
A fórmula de Harris-Benedict foi apresentada em 1919 por Arthur Harris e Francis G. Benedict em um estudo realizado para avaliar as variáveis do metabolismo humano.
Nele, os autores concluíram que alguns fatores influenciam no metabolismo basal, como peso corporal, altura e idade. Além disso, os autores demonstraram que o metabolismo basal diminui progressivamente com o avanço da idade e que o metabolismo feminino tem valores menores que o masculino.
Diante disso, os autores desenvolveram as fórmulas para determinar a taxa metabólica basal (ou GEB), com uma equação específica para homens e outra para mulheres, considerando as variáveis de peso, altura e idade.
Por muitos anos, a equação de Harris-Benedict foi bastante utilizada como padrão para estimar a taxa metabólica basal em indivíduos saudáveis, enfermos e obesos.
Contudo, no estudo “The Harris-Benedict equation reevaluated: resting energy requirements and the body cell mass” de 1984, a aplicabilidade da fórmula de Harris-Benedict foi revisada. O objetivo dos autores era testar a precisão da equação em pacientes hospitalizados nutridos ou desnutridos, além de avaliar a influência da composição corporal no gasto energético.
Além de confirmar que a equação de gasto energético de Harris-Benedict é uma ferramenta válida para estimar o gasto energético em indivíduos saudáveis, ainda que possa superestimar esse valor, o estudo trouxe duas conclusões importantes:
- Influência da massa celular corporal (MCC) no metabolismo basal: A MCC, que representa a fração metabolicamente ativa do organismo, incluindo, por exemplo, o tecido muscular, exerce papel determinante no gasto energético basal. Em casos de desnutrição, bastante comum em pacientes hospitalizados, há uma perda significativa da massa muscular, tornando o peso corporal um indicador pouco fidedigno, e podendo subestimar o gasto energético desses indivíduos. ³
- Limitação em indivíduos obesos: De modo contrário, indivíduos com obesidade possuem uma maior proporção de massa gorda em relação a massa metabolicamente ativa. No entanto, a fórmula apenas utiliza o peso total, sem considerar a composição corporal, e, consequentemente, o resultado tende a superestimar o gasto energético em até 27%.
Nesse sentido, a aplicação da equação de Harris-Benedict para indivíduos hospitalizados, desnutridos e acometidos pela obesidade requer cautela, uma vez que alterações significativas na composição corporal podem comprometer sua acurácia.
Como fazer o cálculo de Harris-Benedict e calcular o consumo basal de calorias?
Para aplicar a equação de Harris-Benedict, é necessário seguir algumas etapas. O primeiro passo consiste em estimar a Taxa Metabólica Basal (TMB), que representa a quantidade de calorias necessárias para manter as funções vitais do organismo em repouso. A equação utiliza dados como peso corporal, estatura, idade e sexo biológico.
Como mencionado anteriormente, há duas fórmulas: uma para determinar o consumo basal de calorias em mulheres e outra em homens.
Versão original (1919):
- Equação para homens:
TBM= 66,47 + (13,75 × peso [kg] ) + (5,00 × estatura [cm]) – (6,76 × idade [anos])
- Equação para mulheres:
TBM = 655,1 + (9,56 × peso [kg] ) + (1,85 × estatura [cm]) – (4,68 × idade [anos])
Versão revisada (1984) ³
- Equação para homens:
TBM = 88.362 + (13.397 * peso [kg]) + (4.799 * altura [cm]) – (5.677 * idade [anos])
- Equação para mulheres:
TBM = 447.593 + (9.247 * peso) + (3.098 * altura) – (4.330 * idade)
No entanto, vale ressaltar que, quando aplicadas para indivíduos com sobrepeso ou obesidade (IMC> 25 kg/m²) ou em indivíduos com baixo do peso (<18kg/m²), deve-se utilizar o peso ajustado, a fim de não superestimar ou subestimar o valor do gasto energético.
A partir da terminação do consumo basal de calorias, o próximo passo é calcular as necessidades energéticas totais.
Qual é a fórmula para calcular as necessidades energéticas?
Para calcular a necessidade energética a partir da equação de Harris-Benedict multiplica-se a taxa metabólica basal pelo fator atividade (FA), fator térmico (FT) e pelo fator injúria (FI).
GET (kcal/dia) = GEB × FA × FI × FT
Valores de fator atividade para indivíduos acamados: ¹ pg 98
- Acamado: 1,2
- Acamado + móvel: 1,25
- Deambulando: 1,3
Valores de fator térmico para indivíduos hospitalizados: ¹ pg 98
- 38 °C: 1,1
- 39 °C: 1,2
- 40 °C: 1,3
- 41 °C: 1,4
Caso o paciente não esteja enfermo, deve considerar apenas a TBM e o fator atividade para a realização do cálculo. Confira como usar a tabela de fator atividade física em Harris-Benedict para indivíduos saudáveis, de acordo com o nível de atividade física (NAF):
- 1.200 = sedentário
- 1.375 = levemente ativo
- 1.550 = moderadamente ativo
- 1.900 = extremamente ativo
Conclusão: Tabela Harris-Benedict
O cálculo da necessidade energética exige que o profissional tenha senso crítico na conduta com o seu paciente. A equação de Harris-Benedict, por exemplo, apesar de suas adaptações, não é a mais indicada para pacientes hospitalizados ou com alterações de peso significativas, sendo mais indicada para indivíduos saudáveis. Nesse sentido, selecionar a fórmula mais adequada diante do contexto clínico é fundamental para ajustar corretamente a demanda energética e garantir as necessidades do paciente.
REFERÊNCIAS:
- ROSSI, Luciana; POLTRONIERI, Fabiana. Tratado de Nutrição e dietoterapia. Guanab. Koogan, 2019.
- HARRIS, J. Arthur; BENEDICT, Francis G. A biometric study of human basal metabolism. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 4, n. 12, p. 370-373, 1918.
- ROZA, Allan M.; SHIZGAL, Harry M. The Harris-Benedict equation reevaluated: resting energy requirements and the body cell mass. The American journal of clinical nutrition, v. 40, n. 1, p. 168-182, 1984.
- Luy SC, Dampil OA. Comparison of the Harris-Benedict Equation, Bioelectrical Impedance Analysis, and Indirect Calorimetry for Measurement of Basal Metabolic Rate among Adult Obese Filipino Patients with Prediabetes or Type 2 Diabetes Mellitus. J ASEAN Fed Endocr Soc. 2018;33(2):152-159. doi: 10.15605/jafes.033.02.07. Epub 2018 Sep 10. PMID: 33442121; PMCID: PMC7784146.
- Krause alimentos, nutrição e dietoterapia. 14 ªed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018.



