Sono e sua relação com o peso a saúde
O sono é descrito como um estado fisiológico normal, reversível e de resposta diminuída ao ambiente externo e, embora preservado em todas as espécies animais e claramente vital para a saúde, ainda se desconhece sua função exata. A redução do número de horas de sono tornou-se hábito na sociedade moderna e provavelmente se relaciona com as mudanças no estilo de vida contemporâneo, a exemplo do uso cada vez mais frequente de multimídias como televisão, notebook, tablet e smartphones. Vários estudos sugerem que dormir menos de 6 horas está associado a uma maior morbidade no que tange à obesidade, resistência à insulina, diabetes mellitus tipo 2, doenças cardiovasculares e risco de acidentes.
Obesidade
A obesidade, cuja prevalência aumentou de forma considerável nos últimos 50 anos, é caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura corporal e representa grande agravo à saúde, na medida em que eleva significativamente o risco de doenças cardiovasculares, endócrino-metabólicas, ortopédicas, respiratórias e psicológicas, impactando de forma negativa na qualidade e expectativa de vida. A obesidade é hoje um grave problema de saúde pública, contribuindo sobremaneira para o aumento da morbimortalidade a nível mundial. Em 2025, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a estimativa é de que 2,3 bilhões de adultos em todo o mundo estejam acima do peso e destes, 700 milhões obesos.
Sua etiologia é multifatorial, resultado da interação entre variáveis genéticas e ambientais, especialmente as relacionadas ao estilo de vida, como hábitos alimentares, nível de atividade física e sono. Este último tem sido apontado como uma importante variável, uma vez que alterações no seu padrão se relacionam ao descontrole da ingestão alimentar, alterando os dois lados da equação do balanço energético.
Relação entre duração do sono e obesidade
A duração do sono parece ser um importante regulador do peso corporal e do metabolismo. Dois desajustes endócrinos paralelos têm sido associados à privação de sono: a diminuição da concentração plasmática do hormônio leptina e o aumento de grelina, este último conhecido como o hormônio da fome. Estudos indicam que um padrão recíproco entre esses dois hormônios estabelece a sincronia no sistema neuropeptídeo Y (NPY), que é o desfecho comum para a expressão do apetite no hipotálamo.
A leptina é produzida principalmente pelo tecido adiposo e sua liberação está associada com a promoção da saciedade. Por sua vez, a grelina é produzida especialmente pelo estômago e seus níveis aumentados desencadeiam a sensação de fome e estimulam a motilidade gastrointestinal, promovendo a deposição de gordura. Suas concentrações plasmáticas são inversamente proporcionais ao volume alimentar ingerido.
Mais tempo disponível para comer, maior sensibilidade à recompensa alimentar e mais energia necessária para manter a vigília prolongada são alguns dos outros mecanismos propostos pelos quais o sono pode aumentar a ingestão alimentar. Esse excesso de ingestão energética parece ser principalmente influenciado por fatores hedônicos, isto é, associados ao prazer, já que ocorre uma regulação positiva das redes de recompensa e prazer em resposta a estímulos alimentares, predispondo à preferência por alimentos ricos em gorduras e carboidratos.
A restrição de sono altera ainda os níveis de outros hormônios, como insulina, cortisol e o hormônio do crescimento, bem como de citocinas pró-inflamatórias como interleucina 6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa). Essas alterações podem contribuir para a preferência por alimentos calóricos, ingestão excessiva de alimentos, alterações no gasto energético e resistência à insulina. O aumento da atividade do sistema nervoso simpático é um dos mecanismos propostos pelo qual o cérebro sinaliza as mudanças na liberação desses hormônios.
E para completar o cenário caótico, ficar mais tempo acordado, além de promover todas essas alterações hormonais favoráveis à obesidade, pode reduzir o nível de atividade física em decorrência da fadiga e sonolência excessivos, o que contribui ainda mais para a redução do gasto energético total.
Um estudo publicado no American Journal of Clinical Nutrition em 2011 investigou a influência de uma única noite de privação total de sono em indivíduos saudáveis do sexo masculino, mostrando que houve uma diminuição no gasto de energia em repouso e pós-prandial (após uma refeição) durante o período diurno subsequente. Além de sensação de fome aumentada na manhã seguinte, os indivíduos também apresentaram valores de glicose plasmática pós-prandial mais elevados após a vigília noturna, reforçando a relação entre curta duração do sono e o desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 2. Por sua vez, Spiegel et al. submeteram homens jovens saudáveis a 4 horas de sono durante 6 noites consecutivas, verificando também um aumento da intolerância e redução da utilização de glicose, uma resposta aguda exagerada de insulina, aumento a atividade simpática e de cortisol.
Considerações finais
Como visto, o sono insatisfatório pode ser um fator importante no contexto da obesidade, já que interfere na regulação da glicose, no balanço energético e no comportamento alimentar, com inserção de lanches entre as refeições, menor consumo de frutas e vegetais e maior consumo de alimentos com alta densidade energética. Alguns dados sugerem ainda uma relação de causalidade reversa, com a obesidade podendo comprometer o sono, já que esta leva a muitas comorbidades, a exemplo da apneia do sono, que pode interferir negativamente na duração e qualidade do sono.
Sabemos que a obesidade é uma condição multifatorial e, portanto, o sono não é a única variável responsável pela pandemia da doença em todo o mundo, porém, o mesmo não deve ser negligenciado, devendo fazer parte da rotina de orientações direcionadas aos pacientes pelos profissionais de saúde, como parte do conjunto de medidas de prevenção e tratamento da obesidade, já que o sono é um fator de risco modificável.
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